Entrevistando: Rodrigo Monteiro;
Entrevistador(es): Bruna Almeida Osti; João Guilherme Squinelato de Melo;
Local: Wenceslau Braz - PR - Brasil;
Data: 25/07/2017;
Duração: 19 minutos e 16 segundos.
Contexto:"Memórias da cidade", pesquisa inspirada pelo projeto de pesquisa EDITEC da Universidade Tecnológica Federal do Paraná criado em 2008.
Temas: Cultura, Teatro, Circo, Mágica.
Infância
" Brincávamos na rua até o anoitecer, mas sempre fui retraído. Não gostava de fazer o que todo mundo fazia. Então, o pessoal gostava de jogar bola e eu sempre fui meio gordinho, então eu não gostava de jogar. A piazada brincava de subir nas coisas, de fazer coisas radicais e eu era meio medroso; então eu não fazia essas coisas. Então comecei a procurar brincadeiras e coisas diferentes do que os outros faziam; então, gosta de jogos que envolviam mais raciocínio, habilidade. Não era muito sociável, na escola eu não tinha muitos amigos. Era sempre um ou dois amigos só. Então fui desenvolvendo uma baixa auto estima, não acreditava que eu podia, por mais que eu… Sempre fui bom aluno, sempre fui bem comportado; assim, nunca fui de fazer bagunça que até tinha medo de fazer bagunça, de apanhar em casa e de o professor brigar; e eu tinha vergonha. E por ser assim, eu fui criando uma resistência em me socializar e conversar com as pessoas e tudo mais. E a infância minha foi basicamente isso: era estudar e brincar com pequenos círculo de amigos que eu tinha, de um dois amigos ali e ficar em casa; então, teve uma parte ruim, né? De não ter essa infância com mais criançada junto, mas teve a parte boa, porque eu tinha tempo pra fazer outra coisas: ler, pesquisar, estudar. Então, tudo na vida tem o seu lado ruim, mas tem seu lado positivo também. Depende da forma com que a gente quer enxergar a vida. E foi basicamente isso.
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Caminho para a arte
"(...) comecei a me interessar por mágica, por assistir mágica na televisão e eu tive facilidade pra descobrir os segredos, e daí eu ia tentar fazer e dava certo. E dai por causa disso eu comecei a fazer [mágica], fui fazendo, fui fazendo; daí chegou na adolescência, eu larguei mão de tudo… para de fazer - porque era só um hobby, uma brincadeira. E daí com 17 anos, quando eu entrei na escola de circo, que era, foi um projeto, e veio pra Wenceslau em 2004, daí sim eu comecei a… o meu professor falou que era muito legal o que eu fazia [mágica], ele viu as mágicas, que eu fazia, tudo, e começou a me incentivar, falou que eu devia resgatar isso de novo, começar a fazer outra vez. Foi dai que eu comecei a entrar no meio artístico, mas até então, não tinha pretensão nenhuma, não tinha vontade nenhuma, não queria ser nada de artístico, assim. Na verdade, não tinha pensamento nenhum, era uma criança normal e o tempo foi encaminhando pra esse lado. "
Centro Cultural
"(...) o centro cultura, na verdade, é uma implantação desse ano, do prefeito novo aí, do Paulo, que implantou que nunca teve centro cultural em Wenceslau, mas a escola de circo quando eu entrei, começou em 2004, era... o Renato, que era o palhaço Siricotico, veio de Curitiba e lá em Curitiba ele trabalhava com crianças e projetos sociais, tudo, tirando a criançada da rua e daí ele veio pra Wenceslau e tinha essa vontade de fazer alguma coisa, que Wenceslau nunca teve nada cultural e dai ele alugou um barracão, e não é essa aqui, um outro, alugou um barracão, dai ele trabalhava em Arapoti, cidade vizinha aqui, dava aula de teatro lá e com o dinheiro que ele ganhava lá, ele pagava o aluguel e pagava a água, luz pra poder dar aula. Então ele não ganhava nada, era um projeto que ele fez só por um sonho que ele tinha, se chamava Centro Cultura Picadeiro. A ideia dele era que se fosse um centro cultura, tivesse aula de dança, música, tudo, mas não rolou porque não tinha professores para isso, não tinha ninguém que desse aula de música, de dança, de capoeira e dai ele tirou o nome de Centro Cultural Picadeiro e virou Casa do Palhaço, que dai era a escola de circo e teatro e... eu fiz a inscrição com 17 anos, eu e um outro amigo meu, fizemos a inscrição para fazer aulas de teatro só e dai quando eu cheguei lá ele falou: “mas porque vocês não fazem aula de circo também?” dai tá, a gente fez a inscrição, dai na lista lá de inscritos tinha mais de 70 inscritos já, falei: “nossa, vai ser legal, vai bombar”. Dai chegou no dia da aula, só foi eu e mais dois, começou com 3 alunos. Dai tá, a gente foi lá, fez teatro depois fizemos aula de circo, dai eu comecei a gostar, no começo eu não gostei muito, dai depois eu comecei a gostar porque eu era muito tímido, né? E... e dai a gente foi fazendo, era 3 vezes por semana - segunda, quarta e sexta – ia lá dai eu estudava de manhã e ia pra lá à tarde. A gente fazia aula, tinha 17 anos. Dai no outro ano, em 2005, foi época de eleição, tudo, ai entrou um prefeito novo, dai o prefeito ficou sabendo desse projeto que ele [palhaço] estava fazendo lá e gostou; dai pediu pra gente fazer uma apresentação no dia da posse dele – a gente fez – dai ele começou a apoiar o projeto. A prefeitura começou a pagar o aluguel, começou a pagar água, luz e ainda pagava um salário pro Renato poder dar aula. Dai com o tempo, a criançada começou a aumentar, pessoal das escolas – a gente fez uma seleção – passaram todas as escolas aqui, mais de 2000 alunos passaram lá; a gente fez uma seleção, e como era muito aluno, o Renato não conseguia dar aula sozinho, então ele pegou uns estagiários para ajudar ele, que eram os próprios alunos. Então era eu e tinha mais dois que ajudavam a dar aula. Dai a gente foi, como era adolescente, né? Foi crescendo, tudo, dai os pais ficaram meio brigando, tipo: “E aí? Você vai trabalhar ou vai ficar lá só fazendo palhaçada? ”. Dai eles foram saindo e só ficou eu de estagiário, dai. Meus pais também ficaram encima, mas eu era teimoso, dai eu não saí; e dai eu fiquei como estagiário uns 2, 3 anos, mais ou menos. Dai depois disso eu fui embora pra Tomazina... saí daqui; voltei 8 meses depois e o projeto continuava, Casa do Palhaço ainda. Dai há 5 anos, mais ou menos, o Renato decidiu que iria embora para Londrina, que lá o campo é melhor de trabalho – e o trabalho dele é muito bom, ele foi considerado um dos melhores malabarista e palhaços de Curitiba, então ele tem um trabalho muito legal e dai ele foi pra Londrina, que lá o campo é melhor de trabalho. Só que como ele não queria deixar o projeto morrer, que o projeto já estava com mais de 10 anos, já tinha uma história, o pessoal já conhecia, a comunidade já gostava por causa do trabalho que a gente faz, social também, de ajudar a criançada na escola, em questão de autoestima. Dai ele me chamou, falou: “Rodrigo você não quer assumir a Casa do Palhaço? Que eu vou pra Londrina”. Dai eu falei pra ele: “Eu assumo, mas eu queria ter liberdade para eu fazer algumas mudanças”. E tinha algumas coisas que eu queria mudar, né? E colocar umas aulas mais dinâmicas e queria também desvincular também, porque Casa do Palhaço é o nome da empresa dele. Então eu queria tirar esse nome para não ficar vinculado uma coisa com a outra, porque como ele iria estar desvinculado da prefeitura. Dai ele falou: “Se você quiser mudar o nome...”. E dai eu mudei, coloquei Circo Escola Picadeiro – remetendo ao Centro Cultural Picadeiro de antes – e dai virou há 5 anos o Circo Escola Picadeiro, que dai eu assumi a coordenação. Depois ele [Renato] veio embora pra Wenceslau de novo, mas dai ele não quis mais assumir porque dai ele estava com muitas palestras, dando aulas de teatro em vários lugares... dai eu fiquei responsável pela coordenação, e como eu também precisava de alguém para me ajudar, dai tinha uma estagiária que trabalhava comigo, professora até o ano passado, só que dai ele engravidou, dai ele saiu, depois ela arrumou um outro serviço, dai é a minha esposa agora que me ajuda a dar aula. Faz dois anos já. Então foi assim que começou. É um projeto social, comecei como aluno, de aluno passei a estagiário; de estagiário, coordenador... e até agora estamos aí.
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Objetivos da Escola de Circo
"O objetivo da escola de Circo não é formar nenhum artista. Então o foco nosso não é que eles vão trabalhar em circo e tudo porque a gente sabe o quanto é difícil isso. Então a missão do projeto não é formar nenhum artista. Se eles forem pro circo, forem fazer teatro, virarem mágicos, sei lá, aí vai ser decisão deles, mas a gente não foca nisso, a gente não trabalha com essa questão de profissionalizar eles pro meio artístico. A ideia do projeto é usar o circo e o teatro como isca pra trazer eles pra dentro, pra fazer eles saírem de lá e entrar aqui. Depois que eles entram aqui, dai o esquema é outro, depois que eles morderam a isca, dai a gente começa a trabalhar o que é realmente o projeto, que é a formação de pessoas melhores, que é a formação de cidadão; fazer com que eles entendam que não pode fazer palavrão, não pode brigar, que a vida funciona em equipe, que um precisa do outro, que o grandão precisa do pequenininho, que o menino precisa da menina, que ninguém é melhor do que ninguém. Então, durante as aulas... é só na prática pra ver isso, como que funciona. Eles trabalham todos juntos, então o cara de 16 anos tá montando um número com um piazinho de 7, e eu faço isso de propósito porque no circo tem um que comanda, que dá o sinal para trocar os movimentos e quem dá o sinal é o menor e o grande tem que obedecer. Então é assim que funciona os valores que o mundo prega lá fora, de que a mulher é submissa ao homem, de que o mais velho é o que manda e o mais novo só obedece; mas não, eu as vezes tinha ideais muito melhores do que as do meu irmão que era mais velho do que eu, então porque que só a minha idade que baseia a minha experiencia ou a minha inteligência? Então aqui funciona isso. Então, pirâmide a gente trabalha muito isso: um precisa do outro; se o de cima fizer errado, vai derrubar, vai cair encima dos que estão embaixo e se os de baixo não segurarem forte, vão derrubar os de cima. Então eles têm que trabalhar muito isso. Todos os números são feitos em conjunto, em equipe pra formar isso. Então, a ideia do projeto, o objetivo meu, e do projeto, é isso. Então, sempre que eu for conversar com o secretário de cultura ou com o prefeito, eles falam: “Ah, a gente pensa em fazer assim mais essa questão artística...”. Eu falo não. A minha função não é essa, de formar nenhum artista lá. Artista tem que ser uma coisa que você sente, você gosta e você quer fazer; não porque um dia você fez, se sentiu obrigado – igual uma faculdade. É igual você fazer uma faculdade porque teu pai quer porque tua mãe quer que seja médico, seja advogado. Ai você entra, para satisfazer outras pessoas e você será um profissional infeliz porque um dia alguém quis que você fosse aquilo, mas você não sentiu aquilo no teu coração; e artista é isso. A arte é você sentir e fazer porque você sentiu, não porque um dia você entrou num projeto e foi meio que obrigado a ser aquilo. Então a ideia é isso que eles vão ser médicos, advogados, jogador de futebol, artista, professor... seja lá o que for, mas a onde eles estiveram que eles lembrem do que foi ensinado aqui, que eles lembrem que lá na escola que eles forem trabalhar, eles não são donos da verdade, eles precisam do outro também e saber que as vezes eu tenho que respeitar, as vezes eu tenho que ouvir, as vezes eu tenho que me impor o meu ponto de vista. O objetivo do projeto é esse não é formar artista, é formar pessoas melhores. "